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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, PLANEJAMENTO URBANO E EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS

Atualizado: 20 de fev.

O direito à moradia é um dos pilares do direito à cidade e uma condição essencial para a dignidade humana. Reconhecido como um direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, ele também é garantido pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e por diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Contudo, a efetivação desse direito enfrenta inúmeras dificuldades, em grande parte decorrentes da histórica desigualdade no acesso à terra e à habitação. 

A regularização fundiária surge como um instrumento essencial para corrigir essas desigualdades e promover a segurança jurídica das famílias que vivem em situações irregulares. Embora a regulamentação do direito à propriedade tenha ocorrido com a promulgação da Constituição Federal de 1988, essa concepção foi evoluindo através de leis esparsas que visam regulamentá-la. Este artigo examina os impactos dessa legislação, abordando seus avanços, desafios e implicações no contexto do direito à moradia através da metodologia de pesquisa bibliográfica e documental.

O direito à moradia está diretamente relacionado à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou a moradia como um direito social no artigo 6º, estabelecendo também a função social da propriedade como um princípio fundamental (artigo 5º, inciso XXIII, também da Constituição Federal). Ele vai além do acesso a um espaço físico para habitação, pois envolve condições adequadas de habitabilidade, infraestrutura urbana, segurança jurídica da posse e acesso a serviços básicos e está intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. 

A função social da propriedade, prevista no artigo 5º, inciso XXIII, reforça a ideia de que o uso da propriedade privada deve atender ao bem-estar coletivo, não sendo meramente um instrumento de acumulação de riquezas. Esse princípio orienta políticas públicas e intervenções que buscam reduzir as desigualdades no acesso à moradia e garantir o uso racional do espaço urbano.

Contudo, a realidade brasileira ainda está distante do cumprimento pleno desses preceitos constitucionais. Sob esta ótica, a regularização fundiária desponta como uma estratégia crucial. Esse processo consiste em um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais voltadas para a integração de assentamentos irregulares ao ordenamento territorial urbano. Por meio dele, busca-se proporcionar segurança jurídica às famílias que ocupam esses territórios, garantindo o direito à posse ou à propriedade dos imóveis. 

Ainda, a regularização fundiária contribui para a valorização dos imóveis, o aumento da arrecadação tributária e a melhoria da qualidade de vida dos moradores, que passam a ter acesso facilitado a políticas públicas e financiamentos habitacionais. Contudo, é imprescindível que essa regularização seja acompanhada de investimentos em infraestrutura e serviços públicos, de forma a promover a inclusão social na ocupação urbana. 

A efetivação do direito à moradia, assim, requer um esforço conjunto entre os entes federativos, o setor privado e a sociedade civil. Políticas habitacionais integradas, programas de financiamento acessível e incentivos para a construção de habitações populares são algumas das iniciativas necessárias para superar os desafios existentes. Além disso, é fundamental que haja a participação ativa da população nos processos decisórios, garantindo que as soluções atendam às reais necessidades das comunidades. 

Assim, o direito à moradia deve ser compreendido não apenas como uma garantia constitucional, mas como um compromisso ético e político do Estado e da sociedade para a construção de cidades mais sustentáveis.

De modo a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e aliar políticas públicas de regularização fundiária, sobretudo nas áreas mais afetadas por eventos climáticos extremos, algumas soluções podem ser vislumbradas, a começar pelo planejamento urbano voltado a uma infraestrutura resiliente. Investimento em infraestrutura sustentável, como sistema de drenagem das águas pluviais, regularização fundiária e habitações seguras podem reduzir drasticamente os danos causados pelas mudanças climáticas, bem como retirar a população vulnerável das áreas de risco. 

A capacitação das comunidades para lidar com eventos extremos, também pode ser utilizada como ferramenta na mitigação e prevenção de danos, incluindo os sistemas de alerta precoce para retirar a população vulnerável de possíveis locais em perigo de dano. 

Ainda, pode-se falar no investimento do governo em políticas públicas de adaptação climática e proteção de áreas de risco, bem como a promoção de reassentamentos aos atingidos. A vulnerabilidade da população em áreas de risco exige ação imediata e colaborativa para mitigar os impactos das mudanças climáticas e construir resiliência, especialmente para as comunidades mais afetadas. 

No tocante à regularização fundiária, esta pode ser definida como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas a integrar assentamentos irregulares ao ordenamento urbano formal. Essas medidas incluem desde a regularização da posse e titulação de imóveis até a implementação de infraestrutura e serviços públicos nos territórios regularizados. 

Historicamente, a legislação brasileira enfrentou dificuldades para abordar a regularização fundiária de forma abrangente e eficiente. O Estatuto da Cidade foi um marco nesse processo, ao introduzir instrumentos como o usucapião especial urbano e as zonas especiais de interesse social (ZEIS). Contudo, foi com a Lei nº 13.465/2017 que se verificou um avanço significativo na sistematização e simplificação dos procedimentos de regularização.

Entretanto, apesar dos avanços, a Lei 13.465/2017 ainda enfrenta críticas e obstáculos, como a deficiência de recursos, uma vez que muitos municípios são menos favorecidos na captação desses recursos e a crescente de outras demandas que também necessitam de amparo e aporte financeiro público, como construção de escolas, hospitais, saneamento e infraestrutura, por exemplo. Além disso, observam-se conflitos fundiários, uma vez que a propriedade privada e ocupações irregulares trazem problemas na delimitação das terras, dificultando a efetivação dessas políticas públicas facilitadoras. Ainda, questões ambientais surgem, vez que muitas áreas estão assentadas sobre terrenos como áreas de preservação permanentes, impossibilitando sua regularização fática, uma vez que contrapõe o direito à moradia com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este um direito coletivo e intergeracional, suscitando conflitos entre proteção ambiental e direitos sociais

A Lei nº 13.465/2017 representa um marco importante para a regularização fundiária e a promoção do direito à moradia no Brasil. Ao simplificar procedimentos e criar novos instrumentos jurídicos, a legislação contribui para a integração de milhões de brasileiros ao tecido urbano formal, retirando da informalidade diversas famílias e imóveis, trazendo segurança jurídica e valorização patrimonial, alavancando políticas públicas voltadas ao urbanismo e à sustentabilidade. 

No entanto, para que esses avanços se consolidem, é fundamental superar os desafios atuais que ainda comprometem a efetividade das políticas de regularização fundiária. Isso exige um esforço conjunto entre o poder público, a sociedade civil e os diversos atores envolvidos, sobretudo os três poderes, de forma a garantir que o direito à moradia seja efetivamente assegurado promovendo qualidade de vida, aliando a regularização fundiária à segurança pública, sobretudo em eventos climáticos extremos.

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